Recentemente, em visita a um órgão público, ouvi algumas pessoas
reclamando dos problemas no atendimento aos processos solicitados e
responsabilizando a culpa na burocracia. Como sendo algo frequente e recorrente
nos serviços públicos, escrevo esse artigo para esclarecer o entendimento sobre
o tema.
Primeiramente, explico que a burocracia não é ruim como muitos pensam.
Na verdade, a falta da burocracia gera processos realizados totalmente sem
controle algum. Vale lembrar que a boa burocracia de Max Weber determina o uso
racional de controles, da padronização, da formalidade, da legalidade, da
impessoalidade e da excelência.
Revendo a evolução da administração pública brasileira, constata-se que
foi à burocracia que ajudou a combater as práticas patrimonialistas na Gestão
Pública. Portanto, a burocracia vem contribuindo de forma relevante para o desenvolvimento
de uma gestão profissional. Foi devido à burocracia que as pessoas começaram a
ser contratadas por critérios técnicos e de mérito. Foi com a burocracia que limites
foram introduzidos no Estado para executar somente aquilo que está previsto e
autorizado em lei. Foi com a burocracia que as organizações criaram uma estrutura
organizacional com uma hierarquia, cargos com atribuições, competências,
responsabilidades, direitos, deveres e os treinamentos necessários.
Ocorre que, assim como em outros modelos de gestão, nem tudo é perfeito.
Há na burocracia muitos problemas e falhas provocadas pela própria organização.
Para essas anomalias o conceito é definido como disfunções da burocracia.
Portanto, são as disfunções que caracterizam uma burocracia mal adequada, tais
como: excesso de regulamentos, excesso de formalidade, resistência a mudanças,
individualismo, desestímulo a inovação, pouca comunicação, interesses pessoais,
a dificuldade no atendimento a clientes e os conflitos com o público.
Para ilustrar melhor o entendimento, segue um conto figurado da disfunção
burocrática: Maria foi contratada por meio de processos burocráticos. Portanto,
entende-se que ela é profissional, impessoal e competente. Ocorre que Maria é
servidora pública e o Estado não confia nela. Dessa forma, o Estado decide criar
outro cargo para impor controle aos processos gerados pela Maria. Nesse caso, Pedro
é contratado para executar esse controle e passa a controlar Maria, analisando
e aprovando todos os processos.
Ainda considerando que a burocracia desconfia das pessoas, o Estado então
resolve criar um terceiro cargo. Portanto, Alice é contratada para controlar
Pedro, analisando e aprovando todos os processos gerados. Da mesma forma, o Estado
também não confia em Alice. Então, decide contratar Ana para analisar e aprovar
os processos de Alice. No fim, para um mesmo processo, o Estado agora possui
Maria, Pedro, Alice e Ana para executar, analisar e aprovar.
Contudo, para fechar o ciclo desse processo, temos ainda o ator
principal dessa historia. Trata-se do cliente (eu e você) que resolve
protocolar um pedido com Maria. Ocorre que, uma semana depois, o cliente
procura Maria e pergunta: Maria, cadê meu processo? Maria responde: já fiz
minha parte e passei para frente. Duas semanas depois, o cliente retorna com
Maria e pergunta novamente: Maria, cadê meu processo? Maria responde: o seu
processo está “andando”.
Um mês depois, o processo chega às mãos de Ana. A mesma analisa
minuciosamente todo o processo e descobre que na página 26 está faltando um
carimbo e assinatura de Maria. Devido a esse erro, Ana despacha para Alice, que
despacha para Pedro, que despacha para Maria. Maria, constatando o erro
identificado por Ana, carimba e assina a página 26. Logo após, retorna o processo
para Pedro, que retorna para Alice, que retorna para a aprovação final de Ana.
Passado já bastante tempo, o cliente retorna ao órgão público para saber
sobre o processo que antes estava “andando”. O cliente pergunta novamente para Maria:
Maria, cadê meu processo? Maria, olhando fixamente para o cliente, faz a seguinte
pergunta: o senhor tem copia de todo o seu processo? O cliente precavido responde:
sim, tenho. Por quê? Maria replica friamente: por favor, registre um novo
pedido, pois seu processo sumiu.
A conclusão é que as disfunções da burocracia têm sido confundidas com as
boas práticas da atividade burocrática. Na verdade, os problemas nos serviços
públicos não são causados pela burocracia, mas sim enfatizados, exagerados e
negligenciados pelos leigos que ocupam os cargos públicos ainda como se fossem prebendas
e sinecuras.