segunda-feira, 6 de abril de 2015

A burocracia não é ruim, a disfunção dela sim

Recentemente, em visita a um órgão público, ouvi algumas pessoas reclamando dos problemas no atendimento aos processos solicitados e responsabilizando a culpa na burocracia. Como sendo algo frequente e recorrente nos serviços públicos, escrevo esse artigo para esclarecer o entendimento sobre o tema.
Primeiramente, explico que a burocracia não é ruim como muitos pensam. Na verdade, a falta da burocracia gera processos realizados totalmente sem controle algum. Vale lembrar que a boa burocracia de Max Weber determina o uso racional de controles, da padronização, da formalidade, da legalidade, da impessoalidade e da excelência.
Revendo a evolução da administração pública brasileira, constata-se que foi à burocracia que ajudou a combater as práticas patrimonialistas na Gestão Pública. Portanto, a burocracia vem contribuindo de forma relevante para o desenvolvimento de uma gestão profissional. Foi devido à burocracia que as pessoas começaram a ser contratadas por critérios técnicos e de mérito. Foi com a burocracia que limites foram introduzidos no Estado para executar somente aquilo que está previsto e autorizado em lei. Foi com a burocracia que as organizações criaram uma estrutura organizacional com uma hierarquia, cargos com atribuições, competências, responsabilidades, direitos, deveres e os treinamentos necessários.
Ocorre que, assim como em outros modelos de gestão, nem tudo é perfeito. Há na burocracia muitos problemas e falhas provocadas pela própria organização. Para essas anomalias o conceito é definido como disfunções da burocracia. Portanto, são as disfunções que caracterizam uma burocracia mal adequada, tais como: excesso de regulamentos, excesso de formalidade, resistência a mudanças, individualismo, desestímulo a inovação, pouca comunicação, interesses pessoais, a dificuldade no atendimento a clientes e os conflitos com o público.
Para ilustrar melhor o entendimento, segue um conto figurado da disfunção burocrática: Maria foi contratada por meio de processos burocráticos. Portanto, entende-se que ela é profissional, impessoal e competente. Ocorre que Maria é servidora pública e o Estado não confia nela. Dessa forma, o Estado decide criar outro cargo para impor controle aos processos gerados pela Maria. Nesse caso, Pedro é contratado para executar esse controle e passa a controlar Maria, analisando e aprovando todos os processos.
Ainda considerando que a burocracia desconfia das pessoas, o Estado então resolve criar um terceiro cargo. Portanto, Alice é contratada para controlar Pedro, analisando e aprovando todos os processos gerados. Da mesma forma, o Estado também não confia em Alice. Então, decide contratar Ana para analisar e aprovar os processos de Alice. No fim, para um mesmo processo, o Estado agora possui Maria, Pedro, Alice e Ana para executar, analisar e aprovar.
Contudo, para fechar o ciclo desse processo, temos ainda o ator principal dessa historia. Trata-se do cliente (eu e você) que resolve protocolar um pedido com Maria. Ocorre que, uma semana depois, o cliente procura Maria e pergunta: Maria, cadê meu processo? Maria responde: já fiz minha parte e passei para frente. Duas semanas depois, o cliente retorna com Maria e pergunta novamente: Maria, cadê meu processo? Maria responde: o seu processo está “andando”.
Um mês depois, o processo chega às mãos de Ana. A mesma analisa minuciosamente todo o processo e descobre que na página 26 está faltando um carimbo e assinatura de Maria. Devido a esse erro, Ana despacha para Alice, que despacha para Pedro, que despacha para Maria. Maria, constatando o erro identificado por Ana, carimba e assina a página 26. Logo após, retorna o processo para Pedro, que retorna para Alice, que retorna para a aprovação final de Ana.
Passado já bastante tempo, o cliente retorna ao órgão público para saber sobre o processo que antes estava “andando”. O cliente pergunta novamente para Maria: Maria, cadê meu processo? Maria, olhando fixamente para o cliente, faz a seguinte pergunta: o senhor tem copia de todo o seu processo? O cliente precavido responde: sim, tenho. Por quê? Maria replica friamente: por favor, registre um novo pedido, pois seu processo sumiu.
A conclusão é que as disfunções da burocracia têm sido confundidas com as boas práticas da atividade burocrática. Na verdade, os problemas nos serviços públicos não são causados pela burocracia, mas sim enfatizados, exagerados e negligenciados pelos leigos que ocupam os cargos públicos ainda como se fossem prebendas e sinecuras.