Para a
compreensão do que é Lean Office, faz-se necessário primeiramente que haja o
entendimento a respeito do que é Lean Management. De maneira sintetizada, este
termo é oriundo do Sistema Toyota de Produção, vertente produtiva que passou a
ser conhecida mundialmente na década dos anos 1970. Dentre as principais características
atribuídas a este sistema de produção estão o combate aos desperdícios e a
melhoria contínua (Graban, 2013; Omotayo, Boateng, Osobajo, Oke & Obi,
2019). Estas duas ações são primordiais para que uma companhia consiga alcançar
seus objetivos e manter-se competitiva no seu respectivo mercado de atuação.
A detecção e
eliminação dos desperdícios se dá diante não somente a partir da sua detecção,
mas também por meio do redesenho de processos e adoção do Mapeamento do Fluxo
de Valor, técnica esta que permite que a companhia identifique e em seguida
gerencie adequadamente cada desperdício existente em suas operações (Nicholas,
2010). Com isso, as organizações se tornam mais cônscias da necessidade de
produzirem com qualidade, o que lhes permitirá o alcance do melhor desempenho,
bem como de sua sustentabilidade financeira (Das & Mitra, 2018;
Yordanova-Dinova, 2019).
Pode-se
considerar que tanto as ações voltadas para a melhoria contínua dos processos
como também a expurgação dos desperdícios representa eixos estruturantes tanto
para o incremento dos resultados organizacionais como também para a criação de
valor aos clientes (Alkunsol, Sharabati, AlSalhi & El-Tamini, 2019). Estes
são efeitos que podem ser produzidos por meio da utilização assertiva dos recursos
disponíveis. Silva (2019) esclarece que a ideia de recursos não se limita
somente a dinheiro, posto que pessoas, trabalho, espaços físicos e tecnologia
também são recursos a serem gerenciados com vistas ao alcance de objetivos
organizacionais. Oliveira e Nascimento-e-Silva (2020) atrelam a questão da
necessidade de administração de recursos não somente do ponto de vista
econômico, mas também mercadológico, posto que as organizações que conseguem
gerenciar corretamente seus recursos acabam obtendo o diferencial competitivo
no seu respectivo ambiente de mercado.
Todavia, é
necessário ponderar que o sucesso na adoção dos princípios do Lean Management
depende da participação das pessoas envolvidas nos processos a serem
melhorados. Há estudos que reconhecem que a participação como fenômeno social
implica reconhecer que todos os integrantes de um grupo ou comunidade possuem a
prerrogativa de opinar, decidir e assumir os efeitos de suas deliberações
(Borges, Silva & Nascimento-e-Silva, 2020; Nascimento-e-Silva, Brito &
Silva, 2022; Oliveira & Nascimento-e-Silva, 2020; Valle, Nascimento-e-Silva
& Silva, 2020). Por esta razão, o estudo feito por Batista et al. (2021)
assevera que a liderança é um dos elementos primordiais no que se refere a
adoção e continuidade das ações pertinentes ao Lean Management, uma vez que o
insucesso de projetos voltados a esta natureza está vinculado ao foco voltado
somente para processos, sem considerar as pessoas que neles trabalham.
Assim,
pode-se inferir que Lean Management representa não somente um conjunto de
técnicas, mas sim de atitudes voltadas para o alcance da excelência nas
organizações (Ramakrishna & Alzoubi, 2022). O fato de o Lean Management ter
em sua essência o aspecto cultural, o qual faz com que as pessoas tenham de adotar
novas posturas com relação ao seu cotidiano de trabalho conferem a este
conceito a característica da complexidade (Klein et al., 2022). Para isto há
explicação plausível: o sucesso do Lean Management depende do comprometimento
das pessoas, as quais são o recurso mais melindroso e difícil de ser gerenciado
(Silva, 2019). Ainda assim, é possível por meio da aplicação correta dos
ditames atinentes ao Lean Management o alcance de resultados mais profícuos no
que tange a produtividade e a qualidade das tarefas desenvolvidas, fator este
que fortalece o desempenho organizacional (Perdomo-Verdeia, Sacristán-Diaz
& Garrido-Vega, 2022; Slack et al., 2009).
Feitos estes
apontamentos, é conveniente conhecer os aspectos teóricos conexos ao Lean
Office. Cardoso e Alves (2013) explanam inicialmente as seguintes
características desta vertente do Lean Management: a) os enfoques básicos são
os mesmos, do conceito geral de Lean, voltados para a eliminação de
desperdícios e melhoria contínua; b) o fluxo de valor não é visto sob processos
fabris, mas sim focalizado nas áreas administrativas, e; c) as atividades de
prestação de serviços também são consideradas neste diapasão como áreas
administrativas. Em complemento a esta fala, é oportuno dizer sobre a
pertinência e magnitude do Lean Office para o sucesso das companhias, posto que
consoante Tapping e Shuker (2010), 60% a 80% dos custos pertinentes ao
atendimento das demandas dos clientes estão concentrados em funções
administrativas. Na interpretação de Danielson (2013), este percentual chega a
ser entre 50% a 80% dos custos de atendimento de demanda.
Entretanto, a
aplicabilidade dos processos de Lean voltada para escritórios não é uma tarefa
das mais fáceis. Isto porque consoante os estudos de Carneiro, Costa, Jardim,
Viana e Santos (2016) e Cardoso e Alves (2013), a maior parte dos fluxos é
informacional, o que pode tornar mais dificultosa a detecção dos desperdícios.
Por esta razão, numa perspectiva voltada para a prática do Lean Office, as
atividades devem ser devidamente estudadas com vistas a detecção dos
desperdícios existentes. Uma forma de se assegurar isto é o mapeamento de
processos. Esta ferramenta deve ser utilizada também no âmbito dos escritórios
com vistas a perceber quais tarefas não possuem valor agregado. Por meio da
aplicação desta visão por processos, torna-se possível detectar as atividades
que não são producentes e com isso tornar o local de trabalho mais assertivo e
apto a gerar melhores produtos com redução de tempo e de custos (Devaney,
2010).
São muitos os
benefícios oriundos da identificação dos desperdícios nos escritórios por meio
do mapeamento de processos. Segundo Devaney (2010), estas benesses são: a)
visualização dos fluxos de trabalho; b) percepção e gerenciamento adequado das
causas dos desperdícios; c) entendimento da linguagem conexa aos processos; d)
criação de uma adesão dos colaboradores para o sucesso na redução dos
desperdícios, e; e) os resultados do mapeamento representam a base para a
implementação de projetos de melhoria contínua. O estudo de Pontes, Silva,
Martins, Santos e Silveira (2019) relata que as primeiras experiências práticas
do Lean Office são datadas dos anos 1970 e tinham como intuito a melhoria da
performance das empresas prestadoras de serviços.
Assim como acontece
no contexto do Lean Management ou Lean Manufacturing, na seara do Lean Office a
questão da participação e comprometimento das pessoas é deveras relevante.
Neste sentido, evidencia-se a necessidade de treinamento de funcionários para
que a prática do Lean Office seja a mais exitosa possível. Isto faz sentido,
posto que primeiramente a essência dos conceitos associados ao Lean Management
precisa ser internalizada pelos funcionários para que então se possa criar as
bases e implementar na prática o Lean Office (Murakami, 2012).
Entretanto, o
aspecto da complexidade presente no que se refere a aplicabilidade do Lean
Manufacturing (Klein et al., 2022) também é uma característica do Lean Office.
Dentre as razões que corroboram para que isto ocorra, pode-se elencar: a) os
processos administrativos possuem etapas intangíveis, diferentemente do que se
vê nos processos fabris, e; b) as atividades administrativas nem sempre seguem
um padrão determinado e isto acaba dificultando a detecção dos desperdícios
(Locher, 2011; Tapping & Shuker, 2010). Em complemento a esta fala, Melara,
Lima e Souza (2017) diz que este aspecto da intangibilidade de algumas
atividades administrativas acaba dificultando a criação do mapa de fluxo de
valor, posto que a feitura deste processo de forma equivocada pode comprometer
todo o resultado do departamento ou da organização como um todo.
Este
entendimento básico do que seja o Lean adaptado aos processos administrativos
requer também que os colaboradores conheçam e saibam identificar e tratar os
desperdícios que podem comprometer a eficiência e eficácia da organização. Por
esta razão, Tapping e Shuker (2010) fizeram a adaptação dos 7 desperdícios que
são costumeiramente associados ao Lean Management para a realidade do Lean
Office. É oportuno reconhecer que a ausência de combate a estes desperdícios
prejudica o bom andamento dos processos e faz com que tempo e demais recursos
não sejam aproveitados de maneira profícua. Com isso, atividades que não
agregam valor e evitam que os produtos ou serviços sejam entregues em menos
tempo continuam sendo desempenhadas e assim comprometendo o alcance da
excelência em processos (Graban, 2013).
Nesse
contexto, os sete desperdícios do Lean Office são:
Superprodução:
Produzir informação ou papel mais ou antes do tempo necessário, como, por
exemplo: cópias, relatórios, esperar alguma atividade ser feita, dente outros/
Processos
redundantes: Inclui redundâncias, como, por exemplo, várias assinaturas num
mesmo documento, revisar o trabalho feito por terceiros, etc.
Estoque: Está
atrelado ao excesso de materiais, como, por exemplo, arquivos e cópias
desnecessárias.
Movimento: Se
refere a qualquer movimento desnecessário a tarefa a ser realizada, como, por
exemplo, layout ineficiente entre os setores.
Defeitos ou
Retrabalho: Produção de tarefas com defeito, o que abarca necessidade de
retrabalho, desperdício de recursos, horas extras, etc.
Transporte: Transportar,
arquivar ou movimentar materiais de maneira excessiva, informações ou papéis
que demandam tempo e energia.
Como se pode
perceber, são muitas as oportunidades de melhorias a serem trabalhadas numa
perspectiva de trabalho voltada para o Lean Office. Todavia, a implementação
desta forma de trabalho pautada na redução de desperdícios e busca incessante
pelo aprimoramento dos processos deve ser feita de maneira coordenada e
planejada. Conforme sugerido por Freitag, Santos e Reis (2018), uma forma
recomendável de se iniciar a implementação do Lean Office é não efetuar este
processo em todas as atividades administrativas, mas sim iniciar com um número
reduzido de atividades e pessoas, as quais irão ganhar experiência e poderão
futuramente serem multiplicadoras das benesses que o Lean Office pode gerara
para a organização.
No que tange
aos projetos voltados ao Lean Office, consoante Danielsson (2013), pode-se
trabalhar com duas perspectivas, a saber:
- A primeira
delas é chamada de Lean Office Neo-Taylorística e se caracteriza por ter sua
aplicação numa abordagem de cunho científico de maneira que os processos
administrativos passem por um processo de padronização (Borges et al., 2020). A
consecução deste objetivo exige que determinados parâmetros sejam
estabelecidos, como, por exemplo, o uso do material estritamente necessário
para a realização das tarefas e evitar que o empregado customize o modus
operandi exigido aos processos administrativos. As decisões são tomadas no
nível gerencial, cabendo ao time operacional somente obedecer às ordens
emitidas pela sua respectiva liderança.
- A segunda
perspectiva é o Lean Office voltado para equipes e possui como eixo
sustentáculo a ideia das “organizações que aprendem”, cujo enfoque é voltado
para a solução de problemas (Senge, 2012). Neste diapasão, faz-se necessária a
existência de colaboradores que sejam mais autônomos e possuam responsabilidade
tanto em nível individual como também coletivo. Além disso, é necessário que
tenha a figura do supervisor que se responsabilize pelos resultados da equipe.
Outro ponto a ser mencionado é o aspecto relacional consistente, com objetivos
bem definidos. Na perspectiva do Lean Office voltado para equipes a liderança representa
uma função sine qua non para o alcance da excelência nos processos
administrativos (Freitag et al., 2018).
Sendo assim,
as diferenças entre processos produtivos e processos administrativos são:
Valor:
Processos Produtivos - Objetivos definidos e visíveis em cada etapa; Processos
Administrativos - Objetivos diferentes, difíceis de serem detectados
Fluxo de
Valor: Processos produtivos - Materiais e peças; Processos Administrativos - Informação
e conhecimento
Fluxo:
Processos produtivos - As interações são um desperdício; Processos
Administrativos - As interações planejadas devem ser eficientes
Puxada:
Processos Produtivos - Guiada pelo Takt Time; Processos Administrativos - Guiada
pelas necessidades da companhia
Perfeição: Processos
Produtivos - Repetição dos processos sem erros; Processos Administrativos - Os
processos permitem a melhoria contínua da organização
Como se pode
observar, os processos produtivos se notabilizam por serem mais passíveis de
serem mensurados e racionalizados. As metas são bem definidas e a orientação
voltada para o alcance da excelência em processos se mostra congruente com o
princípio da melhoria contínua (Graban, 2013). Nesta perspectiva, quanto mais
os operadores executam suas tarefas, ganham mais expertise e podem então passar
a detectar eventuais desperdícios com vistas a tornar ainda mais profícuo o seu
trabalho. Já no que tange aos processos administrativos, estes também podem ser
aprimorados diante do atendimento a determinados fatores condicionantes, sendo
a participação das pessoas um dos principais objetivos a serem alcançados.
Por esta
razão, tanto o Lean Manufacturing como o Lean Office possuem o aspecto da
complexidade (Klein et al. 2022). Neste sentido, a liderança é um elemento
primordial para o sucesso da implementação de projetos voltados a prática do
Lean Office. Silva (2019) esclarece que a liderança é uma subfase do processo
de direção e sua execução não é uma tarefa das mais simples pelo fato de o
líder ter que influenciar e engajar o recurso mais difícil de ser administrado:
as pessoas. Todavia, mediante a suplantação deste obstáculo, a companhia se
habilita a conseguir melhores resultados em seu âmbito de atuação e assim
manter-se mais competitiva no seu respectivo ambiente de mercado.