terça-feira, 3 de março de 2015

Fatores Críticos de Sucesso para a Implementação do Lean Manufacturing

Esse texto tem base em um artigo que publiquei em revista científica sobre uma extensa pesquisa que realizei sobre os Fatores Críticos de Sucesso para implementar a Manufatura Enxuta (do inglês, Lean Manufacturing). O objetivo da pesquisa foi identificar, classificar e sintetizar os fatores críticos de sucesso (FCS) que impedem as organizações de replicar e implementar o Sistema Toyota de Produção, também chamado de Manufatura Enxuta (ME).
A pesquisa bibliográfica foi realizada nos diversos trabalhos já publicados em revistas e livros (gurus) que fazem referências aos entraves encontrados durante o processo de introdução da ME. Dentre as várias constatações relevantes, a pesquisa revelou que há uma grande diversidade de observações em relação aos fatores críticos da ME nas organizações, o que causa uma dispersão de ideias sobre qual preparação é realmente necessária para implementar com sucesso a ME.
As conclusões também demonstraram que apesar dessa grande diversidade de observações, é possível identificar pontos comuns entre os autores pesquisados, mesmo em empresas de setores diferentes. Desta forma, o benefício maior dessa pesquisa foi a classificação e a sintetização de todas essas informações que antes estavam dispersas nas diversas literaturas, a fim dar orientação as organizações sobre quais os FCS que as elas realmente devem dar atenção para que a ME evolua de forma consistente e sustentável.
Vale lembrar que o objetivo da pesquisa não foi eliminar alguns FCS em detrimento de outros, mas sim classificá-los e sintetizá-los de tal forma que as organizações pudessem reconhecer os FCS que realmente são relevantes para a preparação do ambiente da ME, necessário para uma implementação sustentável. O benefício em sintetizar os FCS está no foco das ações necessárias, poupando os desperdícios de recursos durante o processo de implementação.
Após a leitura de algumas dezenas de artigos e livros, a análise preliminar da pesquisa classificou e sintetizou 08 FCS, são eles: (1) Participação do nível operacional (trabalho em equipe); (2) Capacitação (Conhecimento, Habilidades, Atitudes); (3) Participação da alta administração (gestão participativa); (4) Aplicação das Técnicas e Ferramentas (melhoria contínua); (5) Identificar e Eliminar perdas e desperdícios (Gemba - processos); (6) Alinhamento com a Estratégia (objetivos, metas, ações, resultados); (7) Cultura Organizacional (filosofia e mudança de paradigma/mentalidade) e (8) Padronização das atividades, papéis, responsabilidades e disciplina.
Mesmo com a classificação das diversas observações dos autores em apenas 08 FCS, o estudo bibliográfico ainda prosseguiu com a sintetização dos FCS encontrados em apenas 03 fatores críticos, são eles: (1) a CAPACITAÇÃO, (2) o ENVOLVIMENTO e a (3) CULTURA. Constata-se, portanto, que esses três fatores são os que realmente representam a base dos entraves vivenciados pelos autores pesquisados. A conclusão é que esses (03) três FCS são os pilares que realmente proporcionarão o caminho pelo qual as organizações devem começar a trabalhar para que a ME evolua de forma efetiva e sustentável. Para melhor entender o que realmente está inserido no contexto de cada um dos pilares, segue agora um breve descritivo de cada um deles:
A CAPACITAÇÃO trata do desenvolvimento humano. Na realidade, é o coração da ME. É a essência do sucesso que está em capacitar às pessoas a enxergar e eliminar os desperdícios, bem como dar a autonomia necessária para que possam interromper a produção quando necessário. Essa autonomia acaba criando uma conexão entre as elas criando um relacionamento fornecedor-cliente entre uma pessoa e outra, no qual todos acabam sabendo exatamente qual é seu papel no processo produtivo.
Entretanto, para que esse processo de dar autonomia seja eficaz, é necessário ensinar um método científico para a análise e solução de problemas, tal como o ciclo PDCA (Plan – planejar; Do – fazer; Check – verificar/controlar; Act – agir). Essa capacitação deve alcançar os funcionários de todos os níveis da empresa garantindo que todas as melhorias Kaizen sejam realizadas através de uma metodologia científica, pois, o objetivo principal é ensinar as pessoas de forma prática a solucionar problemas através de uma visão sistêmica e usando repetidos ciclos do PDCA.
Vale ressaltar que esse processo de aprendizagem deve ser contínuo, aplicando-se tanto aos supervisores “líderes de equipe” de primeiro nível quanto aos mais altos executivos da empresa que devem atuar como verdadeiros professores. Dessa forma, todos participam do desenvolvimento dos recursos humanos, no qual o ensino segue um caminho top-down (de cima para baixo) começando com o gerente da fábrica treinando todos os funcionários e tomando as medidas necessárias para garantir que todas as operações sejam altamente padronizadas em termos de conteúdo, sequência, tempo e resultado. Deve-se capacitar as pessoas principalmente estimulando a iniciativa e fazendo com que as mesmas assumam mais responsabilidades.
O ENVOLVIMENTO é um dos pontos chave da implementação da ME, pois trata do envolvimento de todos, em todas as áreas e em todos os níveis da empresa, desde os membros dos times do chão de fábrica até os gerentes. É preciso motivar as pessoas para que estejam dispostas a dar o seu melhor e ainda melhorar o que já existe dia após dia, pois, o que move os funcionários é a certeza de que é possível fazer mais e melhor a cada dia, o chamado Kaizen (termo japonês para a melhoria contínua). Todas as pessoas devem ser eternos insatisfeitos na busca contínua pela qualidade, um objetivo que se aplica do operário ao presidente e que privilegia o trabalho em equipe.
Entretanto, para que isso aconteça, é necessário desenvolver líderes que realmente entendem o trabalho, praticam a filosofia e ensinam outros, pois desta forma se reconhece as pessoas como um importante recurso da empresa. É por essa razão, que as atividades de gerenciamento devem ter o foco no Gemba, pois, é lá que estão todas as atividades que agregam valor. Portanto, o trabalho dos gerentes deve ser o de dar suporte para os membros das equipes, pois, as equipes prezam o gerenciamento no local de trabalho apenas quando eles podem ver que os gerentes estão lá para ajudá-los a fazerem seu trabalho, não para comandá-los, dizendo o que devem ou não fazer, porque, o exemplo fala mais do que as palavras.
O líder Lean deve liderar pelo exemplo estabelecendo um estilo do tipo “siga-me” ao invés do tipo “faça do meu jeito” ou ainda “faça do seu jeito”, pois, a função de liderança não é apenas de simples gerenciadores de tarefas e de manter pessoas com boas habilidades. Os lideres devem ser os modelos da filosofia, portanto, um bom líder deve entender da rotina de trabalho com detalhes, caso contrário, ele não poderá ser o melhor professor da filosofia da empresa.
A experiência do dia a dia confirma que os líderes tradicionais tentam controlar tudo à distância, baseando-se demais em relatórios e informações imprecisas. Essa forma de liderar acaba afastando o líder cada vez mais do Gemba aumentando ainda mais a sua ignorância. Dessa forma, cria-se um círculo vicioso em que a falta de conhecimento gera uma crescente distância que, por sua vez, aumenta o desconhecimento sobre a real causa dos problemas.
A CULTURA organizacional consiste em padrões explícitos e implícitos de comportamentos adquiridos e transmitidos ao longo do tempo que constituem uma característica própria de cada empresa. Entretanto, para se desenvolver uma característica cultural própria, bem como criar um real diferencial competitivo, é necessário que a empresa mantenha um ambiente uniforme de aprendizado contínuo em toda a organização ano após ano. Agindo dessa forma, a possibilidade de cada pessoa criar a sua própria cultura transformando a empresa em algo superficial no qual não há o desenvolvimento real de lealdade nos funcionários será neutralizada.
Para construir uma cultura que promova a ME irá levar algum tempo, contudo, deve-se desenvolver um correto programa de motivação, caso contrário, será impossível estimular o trabalho em equipe. As pessoas precisam ter um grau de segurança e sentir que pertencem a um time, portanto, faz-se necessário criar tarefas desafiadoras e dar alguma autonomia para que elas possam sentir que têm o controle sobre as tarefas que executam. Também é necessário medir e dar feedback do progresso alcançado, e por ultimo, o merecido reconhecimento. Recomenda-se, no entanto, não implantar times de melhorias antes de fazer um forte trabalho de implementação do sistema e, conseqüentemente, construir a cultura necessária para o sucesso e o suporte que as equipes necessitam para criar ideias que agregam valor.
A cultura organizacional é o desenvolvimento de pressupostos básicos obtidos por um grupo ao aprender como lidar com os problemas de adequação externa e integração interna e que deram resultados satisfatórios para serem considerados válidos e ensinados a novos membros como a forma correta de perceber, pensar e sentir, em relação a esses problemas.
Nesse contexto, a cultura de uma empresa passa a ser sua identidade definida como a forma em que seus colaboradores reagem frente aos problemas de adaptação, bem como a maneira de pensar, perceber e agir. Portanto, conclui-se que as pessoas têm papel fundamental no processo de mudança para uma empresa que deseja implantar os princípios da ME.
Portanto, desenvolver uma cultura organizacional que esteja alinhada com esse novo cenário e perfil organizacional é fundamental não somente para a ME, mas também, como estratégia competitiva sustentável frente à concorrência com o intuito de sobreviver nesse novo ambiente. Para isso, a cultura corporativa deve reforçar a estratégia e o projeto estrutural de que a organização necessita para ser eficaz em seu ambiente. Se o ambiente externo exige flexibilidade e responsabilidade, a cultura deve incentivar a adaptabilidade.
A mudança na cultura organizacional das empresas que desejam implantar a ME é necessidade sine qua non, especialmente para aquelas que adotam um modelo de produção em massa. Entretanto, ser Lean está primeiramente em reconhecer que a cultura é formada por pessoas, que estas são os recursos mais importantes de uma organização e, se não for por meio delas, o resultado não aparecerá.
Os colaboradores devem ser estimulados a pensar, fazendo as perguntas certas e nem sempre oferecendo as respostas certas, entretanto, é necessário também criar uma cultura organizacional que possibilite as pessoas a seguir as regras e os padrões estabelecidos como se isso fizesse parte da natureza delas (disciplina). Portanto, considerando que a cultura está inserida nos aspectos críticos da estratégia, desenvolver as pessoas será uma variável de suma importância para a mudança acontecer.
A conclusão é que não há como negar a demanda atual pela implementação da filosofia do Lean. No entanto, implementar com sucesso e de forma sustentável tem sido o grande desafio das organizações. Infelizmente, a realidade nas organizações é de uma taxa que beira os impressionantes 90% de insucesso na jornada rumo a ME.
Portanto, é essa a relevância dessa pesquisa, pois foi possível verificar o que os vários autores da literatura Lean verificaram os vários fatores que impedem a implementação da ME nos mais diferentes setores organizacionais. Esses mesmos autores ainda sugerem diversos caminhos a serem seguidos como forma de alcançar os resultados desejados. Outros ainda afirmam que é impossível replicar o sucesso da Toyota, pois acham que a cultura não pode ser replicada.
Nessa direção, o estudo bibliográfico realizado concluiu que essas diversidades de observações em relação aos fatores críticos nas organizações, podem causar uma dispersão de ideias sobre qual é a real preparação e o caminho necessário para implantar com sucesso a ME nas empresas.
A boa notícia é que a análise realizada na literatura constatou que entre as várias observações dos autores há sim uma similaridade nas observações. Portanto, podem ser classificadas de tal forma a dar orientação sobre o caminho a seguir, através da identificação, classificação e sintetização dos fatores chave dessas constatações estudadas. Desta forma, organizando as diversas visões individuais, a fim de orientar a todos aqueles que pretendem implantar a ME.
O resultado também contribui significativamente para aquelas organizações que porventura ficaram frustradas na tentativa inicial para implementar a ME. Portanto, cria-se a possibilidade para que essa empresas possam rever suas estratégias a partir dos FCS aqui identificados.
Contudo, vale lembrar que as empresas que ignoram essas etapas iniciais de preparação estão seriamente comprometendo a evolução da ME na organização. Vale ressaltar que nenhum dos 3 pilares pode ser implementado sozinho e ser esperado que este atinja o nível de sucesso dos 3 fatores combinados, pois a operação combinada desses 3 fatores irá desenvolver o ambiente organizacional apropriado para a evolução da ME em qualquer empresa. O insucesso em replicar o modelo da Toyota está nos primeiros passos em empreender a ME nas empresas, o que consiste em preparar um ambiente organizacional adequado, através do desenvolvimento dos 03 (três) FCS aqui apresentados.