Esse texto tem base em um artigo que
publiquei em revista científica sobre uma extensa pesquisa que realizei sobre
os Fatores Críticos de Sucesso para implementar a Manufatura Enxuta (do inglês,
Lean Manufacturing). O objetivo da pesquisa foi identificar, classificar e
sintetizar os fatores críticos de sucesso (FCS) que impedem as organizações de
replicar e implementar o Sistema Toyota de Produção, também chamado de
Manufatura Enxuta (ME).
A pesquisa bibliográfica foi realizada
nos diversos trabalhos já publicados em revistas e livros (gurus) que fazem
referências aos entraves encontrados durante o processo de introdução da ME.
Dentre as várias constatações relevantes, a pesquisa revelou que há uma grande
diversidade de observações em relação aos fatores críticos da ME nas
organizações, o que causa uma dispersão de ideias sobre qual preparação é
realmente necessária para implementar com sucesso a ME.
As conclusões também demonstraram que
apesar dessa grande diversidade de observações, é possível identificar pontos
comuns entre os autores pesquisados, mesmo em empresas de setores diferentes. Desta
forma, o benefício maior dessa pesquisa foi a classificação e a sintetização de
todas essas informações que antes estavam dispersas nas diversas literaturas, a
fim dar orientação as organizações sobre quais os FCS que as elas realmente
devem dar atenção para que a ME evolua de forma consistente e sustentável.
Vale lembrar que o objetivo da
pesquisa não foi eliminar alguns FCS em detrimento de outros, mas sim
classificá-los e sintetizá-los de tal forma que as organizações pudessem reconhecer
os FCS que realmente são relevantes para a preparação do ambiente da ME,
necessário para uma implementação sustentável. O benefício em sintetizar os FCS
está no foco das ações necessárias, poupando os desperdícios de recursos
durante o processo de implementação.
Após a leitura de algumas dezenas de
artigos e livros, a análise preliminar da pesquisa classificou e sintetizou 08
FCS, são eles: (1) Participação do nível operacional (trabalho em equipe); (2)
Capacitação (Conhecimento, Habilidades, Atitudes); (3) Participação da alta administração
(gestão participativa); (4) Aplicação das Técnicas e Ferramentas (melhoria
contínua); (5) Identificar e Eliminar perdas e desperdícios (Gemba -
processos); (6) Alinhamento com a Estratégia (objetivos, metas, ações,
resultados); (7) Cultura Organizacional (filosofia e mudança de paradigma/mentalidade)
e (8) Padronização das atividades, papéis, responsabilidades e disciplina.
Mesmo com a classificação das diversas
observações dos autores em apenas 08 FCS, o estudo bibliográfico ainda
prosseguiu com a sintetização dos FCS encontrados em apenas 03 fatores críticos,
são eles: (1) a CAPACITAÇÃO, (2) o ENVOLVIMENTO e a (3) CULTURA. Constata-se,
portanto, que esses três fatores são os que realmente representam a base dos entraves
vivenciados pelos autores pesquisados. A conclusão é que esses (03) três FCS
são os pilares que realmente proporcionarão o caminho pelo qual as organizações
devem começar a trabalhar para que a ME evolua de forma efetiva e sustentável. Para melhor entender o que realmente está inserido no contexto de cada um dos pilares, segue agora um breve descritivo de cada um deles:
A CAPACITAÇÃO trata do desenvolvimento
humano. Na realidade, é o coração da ME. É a essência do sucesso que está em
capacitar às pessoas a enxergar e eliminar os desperdícios, bem como dar a
autonomia necessária para que possam interromper a produção quando necessário.
Essa autonomia acaba criando uma conexão entre as elas criando um relacionamento
fornecedor-cliente entre uma pessoa e outra, no qual todos acabam sabendo
exatamente qual é seu papel no processo produtivo.
Entretanto, para que esse processo de
dar autonomia seja eficaz, é necessário ensinar um método científico para a
análise e solução de problemas, tal como o ciclo PDCA (Plan – planejar; Do –
fazer; Check – verificar/controlar; Act – agir). Essa capacitação deve alcançar
os funcionários de todos os níveis da empresa garantindo que todas as melhorias
Kaizen sejam realizadas através de uma metodologia científica, pois, o objetivo
principal é ensinar as pessoas de forma prática a solucionar problemas através
de uma visão sistêmica e usando repetidos ciclos do PDCA.
Vale ressaltar que esse processo de
aprendizagem deve ser contínuo, aplicando-se tanto aos supervisores “líderes de
equipe” de primeiro nível quanto aos mais altos executivos da empresa que devem
atuar como verdadeiros professores. Dessa forma, todos participam do
desenvolvimento dos recursos humanos, no qual o ensino segue um caminho
top-down (de cima para baixo) começando com o gerente da fábrica treinando
todos os funcionários e tomando as medidas necessárias para garantir que todas
as operações sejam altamente padronizadas em termos de conteúdo, sequência,
tempo e resultado. Deve-se capacitar as pessoas principalmente estimulando a
iniciativa e fazendo com que as mesmas assumam mais responsabilidades.
O ENVOLVIMENTO é um dos pontos chave
da implementação da ME, pois trata do envolvimento de todos, em todas as áreas
e em todos os níveis da empresa, desde os membros dos times do chão de fábrica
até os gerentes. É preciso motivar as pessoas para que estejam dispostas a dar
o seu melhor e ainda melhorar o que já existe dia após dia, pois, o que move os
funcionários é a certeza de que é possível fazer mais e melhor a cada dia, o
chamado Kaizen (termo japonês para a melhoria contínua). Todas as pessoas devem
ser eternos insatisfeitos na busca contínua pela qualidade, um objetivo que se
aplica do operário ao presidente e que privilegia o trabalho em equipe.
Entretanto, para que isso aconteça, é
necessário desenvolver líderes que realmente entendem o trabalho, praticam a
filosofia e ensinam outros, pois desta forma se reconhece as pessoas como um
importante recurso da empresa. É por essa razão, que as atividades de
gerenciamento devem ter o foco no Gemba, pois, é lá que estão todas as
atividades que agregam valor. Portanto, o trabalho dos gerentes deve ser o de
dar suporte para os membros das equipes, pois, as equipes prezam o
gerenciamento no local de trabalho apenas quando eles podem ver que os gerentes
estão lá para ajudá-los a fazerem seu trabalho, não para comandá-los, dizendo o
que devem ou não fazer, porque, o exemplo fala mais do que as palavras.
O líder Lean deve liderar pelo exemplo
estabelecendo um estilo do tipo “siga-me” ao invés do tipo “faça do meu jeito”
ou ainda “faça do seu jeito”, pois, a função de liderança não é apenas de
simples gerenciadores de tarefas e de manter pessoas com boas habilidades. Os
lideres devem ser os modelos da filosofia, portanto, um bom líder deve entender
da rotina de trabalho com detalhes, caso contrário, ele não poderá ser o melhor
professor da filosofia da empresa.
A experiência do dia a dia confirma
que os líderes tradicionais tentam controlar tudo à distância, baseando-se
demais em relatórios e informações imprecisas. Essa forma de liderar acaba
afastando o líder cada vez mais do Gemba aumentando ainda mais a sua
ignorância. Dessa forma, cria-se um círculo vicioso em que a falta de
conhecimento gera uma crescente distância que, por sua vez, aumenta o
desconhecimento sobre a real causa dos problemas.
A CULTURA organizacional consiste em
padrões explícitos e implícitos de comportamentos adquiridos e transmitidos ao
longo do tempo que constituem uma característica própria de cada empresa.
Entretanto, para se desenvolver uma característica cultural própria, bem como
criar um real diferencial competitivo, é necessário que a empresa mantenha um
ambiente uniforme de aprendizado contínuo em toda a organização ano após ano.
Agindo dessa forma, a possibilidade de cada pessoa criar a sua própria cultura
transformando a empresa em algo superficial no qual não há o desenvolvimento
real de lealdade nos funcionários será neutralizada.
Para construir uma cultura que promova
a ME irá levar algum tempo, contudo, deve-se desenvolver um correto programa de
motivação, caso contrário, será impossível estimular o trabalho em equipe. As
pessoas precisam ter um grau de segurança e sentir que pertencem a um time,
portanto, faz-se necessário criar tarefas desafiadoras e dar alguma autonomia
para que elas possam sentir que têm o controle sobre as tarefas que executam.
Também é necessário medir e dar feedback do progresso alcançado, e por ultimo,
o merecido reconhecimento. Recomenda-se, no entanto, não implantar times de
melhorias antes de fazer um forte trabalho de implementação do sistema e,
conseqüentemente, construir a cultura necessária para o sucesso e o suporte que
as equipes necessitam para criar ideias que agregam valor.
A cultura organizacional é o
desenvolvimento de pressupostos básicos obtidos por um grupo ao aprender como
lidar com os problemas de adequação externa e integração interna e que deram
resultados satisfatórios para serem considerados válidos e ensinados a novos
membros como a forma correta de perceber, pensar e sentir, em relação a esses
problemas.
Nesse contexto, a cultura de uma
empresa passa a ser sua identidade definida como a forma em que seus
colaboradores reagem frente aos problemas de adaptação, bem como a maneira de
pensar, perceber e agir. Portanto, conclui-se que as pessoas têm papel fundamental
no processo de mudança para uma empresa que deseja implantar os princípios da
ME.
Portanto, desenvolver uma cultura
organizacional que esteja alinhada com esse novo cenário e perfil
organizacional é fundamental não somente para a ME, mas também, como estratégia
competitiva sustentável frente à concorrência com o intuito de sobreviver nesse
novo ambiente. Para isso, a cultura corporativa deve reforçar a estratégia e o
projeto estrutural de que a organização necessita para ser eficaz em seu
ambiente. Se o ambiente externo exige flexibilidade e responsabilidade, a
cultura deve incentivar a adaptabilidade.
A mudança na cultura organizacional
das empresas que desejam implantar a ME é necessidade sine qua non, especialmente para aquelas que adotam um modelo de
produção em massa. Entretanto, ser Lean
está primeiramente em reconhecer que a cultura é formada por pessoas, que estas
são os recursos mais importantes de uma organização e, se não for por meio
delas, o resultado não aparecerá.
Os colaboradores devem ser estimulados
a pensar, fazendo as perguntas certas e nem sempre oferecendo as respostas
certas, entretanto, é necessário também criar uma cultura organizacional que
possibilite as pessoas a seguir as regras e os padrões estabelecidos como se
isso fizesse parte da natureza delas (disciplina). Portanto, considerando que a
cultura está inserida nos aspectos críticos da estratégia, desenvolver as
pessoas será uma variável de suma importância para a mudança acontecer.
A conclusão é que não há como negar a
demanda atual pela implementação da filosofia do Lean. No entanto, implementar com sucesso e de forma sustentável
tem sido o grande desafio das organizações. Infelizmente, a realidade nas
organizações é de uma taxa que beira os impressionantes 90% de insucesso na
jornada rumo a ME.
Portanto, é essa a relevância dessa
pesquisa, pois foi possível verificar o que os vários autores da literatura Lean verificaram os vários fatores que impedem a implementação da ME nos mais diferentes setores organizacionais.
Esses mesmos autores ainda sugerem diversos caminhos a serem seguidos como
forma de alcançar os resultados desejados. Outros ainda afirmam que é
impossível replicar o sucesso da Toyota, pois acham que a cultura não pode ser
replicada.
Nessa direção, o estudo bibliográfico realizado
concluiu que essas diversidades de observações em relação aos fatores críticos
nas organizações, podem causar uma dispersão de ideias sobre qual é a real
preparação e o caminho necessário para implantar com sucesso a ME nas empresas.
A boa notícia é que a análise
realizada na literatura constatou que entre as várias observações dos autores
há sim uma similaridade nas observações. Portanto, podem ser classificadas de
tal forma a dar orientação sobre o caminho a seguir, através da identificação,
classificação e sintetização dos fatores chave dessas constatações estudadas.
Desta forma, organizando as diversas visões individuais, a fim de orientar a
todos aqueles que pretendem implantar a ME.
O resultado também contribui significativamente para aquelas organizações que porventura ficaram frustradas
na tentativa inicial para implementar a ME. Portanto, cria-se a possibilidade
para que essa empresas possam rever suas estratégias a partir dos FCS aqui
identificados.
Contudo, vale lembrar que as empresas
que ignoram essas etapas iniciais de preparação estão seriamente comprometendo
a evolução da ME na organização. Vale ressaltar que nenhum dos 3 pilares
pode ser implementado sozinho e ser esperado que este atinja o nível de sucesso
dos 3 fatores combinados, pois a operação combinada desses 3 fatores irá
desenvolver o ambiente organizacional apropriado para a evolução da ME em
qualquer empresa. O insucesso em replicar o modelo
da Toyota está nos primeiros passos em empreender a ME nas empresas, o que
consiste em preparar um ambiente organizacional adequado, através do
desenvolvimento dos 03 (três) FCS aqui apresentados.