Devido as crescentes necessidades de melhorias e
mudanças organizacionais, surgiu no ocidente o termo Lean que significa ‘enxuto’, o qual foi cunhado no livro “A Máquina
que Mudou o Mundo” e que trata de um amplo estudo sobre o Sistema Toyota de
Produção - STP. Esse termo foi popularizado no ocidente por Womack, Jones &
Roos (1992) que relatam o resultado de uma pesquisa realizada pelo
Massachusetts Institute of Technology – MIT sobre uma descrição abrangente de
todo o sistema de negócios da empresa Toyota, tais como: desenvolvimento de
produtos, gerenciamento de suprimentos, relações com os consumidores,
atendimento dos pedidos desde a matéria prima até a produção e o gerenciamento
de toda a empresa.
Desde a publicação do estudo realizado pelo MIT, o
Lean tem sido um novo paradigma fundamental para a transformação da operação em
um diferencial competitivo, contribuindo para a aplicação de práticas que visam
à identificação e eliminação de desperdícios no sistema produtivo, bem como a
busca incessante por melhor qualidade, custos mais baixos e maior agilidade em
atender os requisitos dos clientes. Portanto, é a razão de muitos o chamarem de
Manufatura Enxuta – ME.
Originalmente, esse novo paradigma foi construído ao
longo dos últimos 50 anos quando o Japão começou a despontar como referência em
muitos programas de melhorias da qualidade e da produtividade, contudo, esse
ato de referenciar os modelos japoneses de gestão nem sempre foi assim, pois,
no período de reconstrução pós-guerra o país apenas fornecia produtos de baixa
qualidade. A necessidade de recompor as indústrias e a exportação
de produtos manufaturados fez surgir, entre muitos outros programas, o Sistema
Toyota de Produção – STP com o intuito de reverter a reputação de país
fornecedor de produtos com baixa qualidade.
Apesar de considerado como novo paradigma, o sistema
de produção enxuta surgiu de outro modelo já existente na fábrica da Ford, até
então a unidade mais eficiente e complexa do mundo. Naquele momento, Eiji Toyoda, juntamente com seu
principal engenheiro de produção, Taiichi Ohno, concluíram que esse sistema de
produção em massa nunca funcionaria no Japão, pois, era representado pela
fabricação de modelos padrão com poucas alternativas de escolha para o
consumidor, portanto, haveria a necessidade de uma nova abordagem para a
produção (OHNO, 1997).
A ME muitas vezes é entendida como um novo paradigma,
contudo, o que ocorre, na verdade, é que muitos de seus princípios são
trabalhos de pioneiros como Deming, Taylor e Skinner, portanto, sendo um novo
modelo, um novo padrão ou ainda uma nova teoria que complementa uma outra já
existente anteriormente, pode-se dizer que a mesma promove tanto uma mudança
organizacional como uma transformação paradigmática pelo o qual as empresas
podem fazer uso para alcançar os resultados que esse sistema de produção pode
proporcionar.
De uma forma ampla, o Lean Manufacturing ou Manufatura
Enxuta – ME, consiste na aplicação de práticas que visam à identificação e
eliminação de desperdícios no sistema produtivo, bem como na busca incessante
por melhor qualidade, custos mais baixos e maior flexibilidade.
Para Womack & Jones (2004) desperdício significa
qualquer atividade que absorve recursos, mas não cria valor. Valor significa a
capacidade de oferecer um produto/serviço no momento certo e a um preço
adequado, conforme definido pelo cliente. Portanto, a base da produção enxuta,
uma vez eliminado os desperdícios, é reduzir os custos de produção e
maximizando a satisfação do cliente, ou seja, do valor agregado.
Shingo (1996) utiliza uma metáfora para explicar a ME,
afirmando que a filosofia é tão poderosa que poderia extrair água torcendo uma
toalha seca. Ohno (1997) estabelece como passo preliminar para a aplicação da
ME, a identificação e eliminação de sete desperdícios (ou perdas). São eles: a) A superprodução de mercadorias desnecessárias; b) A
espera dos funcionários pelo equipamento de processamento para finalizar o
trabalho ou por uma atividade anterior; c) O transporte desnecessário de
mercadorias; d) O processamento desnecessário, devido ao projeto inadequado de
ferramentas e produtos; e) O estoque à espera de processamento ou consumo; f) O
movimento desnecessário de pessoas; e g) A produção de produtos defeituosos.
Além dos já citados, há mais um desperdício importante
que é a não utilização da criatividade das pessoas que trabalham na organização
(LIKER, 2005). Para Liker (2005) os desperdícios são os males que mais
prejudicam a sobrevivência das empresas frente à competitividade, seja na
indústria, na construção civil, na agricultura e também nos serviços. O
desperdício acaba consumindo os recursos sem agregar qualquer valor ao
processo, portanto, prejudica o lucro, a sobrevivência e a empregabilidade. A
inexistência de desperdícios nas empresas é a meta a ser atingida a todo custo
pelas organizações que pretendem se tornar competitivas.
O mesmo ainda ressalta que os desperdícios se escondem
por toda parte na produção. Para evitar isso, deve-se compreender por completo
o que é o desperdício e suas causas. Todos os desperdícios se tornam parte dos
custos diretos e indiretos, portanto, são pontos relevantes na busca pela
redução de custos.
Segundo Liker (2005) o aumento da eficiência só faz
sentido quando está associado á redução de custos. Para obter isso é necessário
começar a produzir apenas aquilo que se é solicitado, usando um mínimo de
mão-de-obra e estoque. Deve-se observar a eficiência de cada operador e de cada
linha, após então, os operadores como um grupo e depois a eficiência em todas
as linhas. A eficiência deve ser melhorada em cada estágio e, ao
mesmo tempo, para a fábrica como um todo. A verdadeira melhoria na eficiência
surge quando se produz zero desperdício e se eleva a porcentagem de trabalho
que realmente agrega valor.
Womack & Jones (2004) ressaltam que coexistem
várias definições para a ME. Por exemplo, a definição da ME como uma abordagem
que busca uma forma melhor de organizar e gerenciar os relacionamentos de uma
empresa com seus clientes, cadeia de fornecedores, desenvolvimento de produtos
e operações de produção, segundo a qual é possível fazer cada vez mais com
menos (menor quantidade de equipamento, menor esforço humano, menor tempo,
menor custo, etc.). Contudo, é necessário antes de tudo entender a sua
natureza investindo tempo no local de trabalho e aprendendo a mapear as
atividades que agregam valor, e as que não agregam valor, com o intuito de
melhorar a qualidade de seus processos e produtos, assim como também, obter
custos mais baixos (OHNO, 1997).
A recomendação em relação ao mapeamento do processo
produtivo é que se deve investir tempo no local de trabalho para realizar uma
investigação mais detalhada dos desperdícios. Contudo, há a necessidade de uma
maturidade alta de todas as pessoas envolvidas para que as mesmas possam
executar as atividades de forma contínua e auto gerenciada. Ocorre que a nova atividade de mapear processos é
agregada as anteriores já existentes, o que poderá fazer com que o mapeamento
seja colocado em segundo plano ao sofrer um processo de priorização da tomada
de decisão influenciada pelas ordens demandas do “chefe”. Outros entraves
muitas vezes encontrados no processo de mudança para o modelo da ME, está em
dar foco no “como fazer” sem antes entender a “filosofia” que norteiam as ações.
Em ambos os casos comentados não há como sustentar o
novo conhecimento, pois, a implantação de novos conceitos não se segue
automaticamente à sua elaboração. O novo sempre enfrentará algum tipo de
resistência, o qual pode invalidar o esforço do melhor conjunto de normas e
procedimentos elaborados. A organização precisa desenvolver a capacidade de
executar novas tarefas e ainda dar conta das antigas com mais rapidez e
eficácia.
Segundo Henderson e Larco (1999), o primeiro requisito
para se fazer a mudança para o modo de Produção Enxuta é ter uma visão clara do
que a companhia quer se tornar. Tendo essa visão clara, é preciso focar nesse
objetivo e tomar ações consistentes com o mesmo. Os mesmos ainda ressaltam a
importância para uma atitude comprometida de todas as pessoas da organização.
Para que isso ocorra, é preciso que todos da organização trabalhem em equipe em
prol de um mesmo objetivo. Somente quando uma pessoa internaliza os conceitos
da Produção Enxuta, sabe-se a importância da sua contribuição para o objetivo
maior da empresa.
Ocorre que a experiência vivenciada na prática
demonstra que há vários fatores críticos que travam o processo de mudança rumo
à empresa enxuta. A realidade constatada é a necessidade de se considerar uma
preparação adequada do ambiente organizacional para que haja êxito na
implementação do Lean. A implantação da filosofia Lean requer uma abordagem
sistêmica na qual, uma série de aspectos da empresa é modificada. Portanto,
alguns pré-requisitos devem ser considerados, tais como: a mudança para a
mentalidade enxuta; a capacitação das pessoas; um ambiente de trabalho que
favoreça a flexibilidade, a comunicação e o trabalho em equipe; conhecimento de
processos e fluxos.
O Lean se baseia em algumas regras, dentre elas estão:
todo o trabalho deve ser altamente especificado em relação ao conteúdo, sequência,
tempo e resultado desejado, Além de que qualquer melhoria deve ser realizada
pelos envolvidos na atividade que está sendo melhorada. Hines & Taylor
(2000) sugerem que é preciso equipar os operários com “óculos de muda” (muda
significa qualquer atividade que consome recursos sem agregar valor aos
clientes), tornando-os aptos a enxergar as perdas. A ideia, em seguida, é criar
uma cultura que os encoraje a eliminar as perdas, uma vez identificadas.
Durán & Batocchio (2001) listam os critérios da
norma SAE J4000 da Society for Automotive Engineers, intitulada ‘Identificação
e mensuração de melhores práticas na implementação de uma operação enxuta’,
pelos quais a manufatura enxuta poderá ser alcançada. A seção principal da
norma é composta de 52 componentes divididos em 6 elementos que avaliam o grau
de implantação dos princípios de operações enxutas em uma empresa.
Dentre os 6 elementos, destaca-se o elemento 1 (Ética
e Organização) - analisa o reconhecimento e envolvimento da direção e alta
gerência junto ao sistema e se as iniciativas disseminadas por estes estão
sendo implementadas junto ao planejamento estratégico da organização e o
elemento 2 (Pessoas e RH) - verifica o nível de participação de todos da
organização para o sucesso do Sistema.
Slack, Chambers & Jonhston (2002) afirmam que para
a implantação da produção enxuta é necessário o envolvimento total das pessoas,
uma vez que os empregados são treinados e motivados para assumir total responsabilidade
pelo trabalham que realizam. Corrêa & Corrêa (2004) apontam que a
implantação da maioria das técnicas da Produção Enxuta costuma ter um longo
tempo de maturação.
Lucato, Maestrelli & Vieira Jr, (2004) destacam
que para avaliar o grau de implementação dos elementos acima citados, a SAE
J4000 define um peso de importância relativa para cada um, isto é, do total de
100% igual a 6 elementos, 25% é dado para o elemento 1 e outros 25% para o
elemento 2, portanto, 50% (metade) são designados para elementos relacionados
ao envolvimento de todas as pessoas da organização para o sucesso da
implementação do Lean. Womack & Jones (2004) relatam que o estudo das
fábricas no qual se adotou a produção enxuta revelou que os trabalhadores
reagem apenas quando existe senso de compromisso mútuo.
Liker, J. K. (2005) considera que são princípios
necessários para o êxito do Lean Manufacturing a valorização da organização por
meio do desenvolvimento de seus funcionários. O mesmo destaca que um dos
maiores desperdícios é não utilizar a criatividade das pessoas que trabalham na
organização. Liker, J. K. (2005) também ressalta a possibilidade de utilizar
uma variedade dessas ferramentas do Lean Manufacturing e ainda assim estar
seguindo apenas alguns princípios do Lean, tendo como resultado “saltos” de
curto prazo nas medidas de desempenho, que não serão sustentáveis. Por outro
lado, uma organização que pratica com excelência todos estes princípios estarão
a caminho de uma vantagem competitiva sustentável.
Sampaio, M. A. (2005) afirma que existem relações
complexas que se estabelecem entre as práticas da gestão da produção enxuta. O
estabelecimento consistente dessas relações permite que ações sejam lançadas
visando manter níveis de entendimento que permitam a adaptabilidade ao ambiente
relacionada ao desenvolvimento e aprendizagem organizacional.
Achanga et. al. (2006) relatam que em uma pesquisa
realizada com pequenas e médias empresas do Reino Unido analisou os fatores
críticos de sucesso para implantação da produção enxuta e concluíram que a
liderança, a cultura organizacional, as finanças e o conhecimento e habilidade
estão entre esses fatores críticos.
Ballé & Ballé (2007) afirmam que a maioria das
tentativas de implantar o lean fracassa nas empresas porque não adianta somente
adquirir o vocabulário, as ferramentas, princípios ou especialistas. É preciso,
sobretudo, incorporar uma atitude gemba (termo japonês que significa o local
onde ocorre o trabalho no “chão de fábrica”) para o sistema enxuto prosperar. Feitosa
et al. (2007) conclui que mais que tecnologia, a Toyota valoriza pessoas,
destacando a tomada de decisões conjuntas, centrada na localização das perdas.
Lorenzatto & Ribeiro (2007) afirmam que a simples
aplicação de conceitos e ferramentas relacionadas ao Lean não é suficiente para
tornar uma empresa enxuta. Para se atingir esse nível, é fundamental que todos
que compõem o sistema compreendam a filosofia de eliminação dos desperdícios e
estejam comprometidos com a satisfação plena dos clientes.
Mello Cordeiro, B. V. J. (2007) afirma que a aplicação
dos princípios e técnicas da Produção Enxuta está relacionada à mudança de
paradigma. Por outro lado, o mesmo levanta a questão que grande parte das
dificuldades de implementação das técnicas e ferramentas do Lean no Brasil pode
estar ligada á dificuldades de compreensão do significado da Produção Enxuta.
Mello Cordeiro, B. V. J. (2007) também ressalta que as
empresas brasileiras não estão dispostas a fazer os investimentos necessários
em capacitação de funcionários e aguardar o tempo para que os resultados
apareçam. Portanto, acabam descontinuando ou deixando de implementar
componentes essenciais alegando resultados insuficientes.
Schulz et al. (2007) destacam as relações entre a área
fábrica e organização e cultura, no qual afrma que são evidencias da cultura o
envolvimento dos empregados na gestão e implementação de melhorias no sistema
de produção. Havendo clima, a fábrica e todos os aspectos relacionados serão
potencializados.
Percebe-se, no entanto, que há na literatura uma
diversidade de observações em relação aos fatores críticos da ME nas
organizações, os quais podem causar uma dispersão de ideias sobre quais
realmente são necessários para uma preparação adequada para a implantação com
sucesso da ME nas empresas.
Segundo Lima & Elias (2007) o motivo do insucesso
em implantar esse modelo está na tentativa das empresas em criar seus próprios
sistemas de produção apenas com o foco em algumas ferramentas sem antes
entender claramente os princípios do sistema e a filosofia. Os autores ainda
afirmam que nem sempre uma ferramenta utilizada em uma empresa fará com que se
obtenham as mesmas melhorias em outra do mesmo porte e mesmo ramo de atuação,
já que estas têm suas peculiaridades e métodos de gestão.
Outros autores, como Godinho Filho & Fernandes
(2005), definem esses princípios como as ideias que norteiam uma ação ou
decisão, isto é, os princípios representam o “o quê” deve ser atingido ou
buscado. Já as ferramentas, são definidas como capacitadores, isto é, eles representam
o “como” atingir um princípio. Eles ainda alertam que há uma estreita relação
entre princípios e capacitadores, pelo qual se torna imprudente separá-los,
pois, para que os princípios sejam alcançados, é necessário concretizar os
capacitadores. Desta forma, dar foco apenas na introdução de algumas
ferramentas significará insucesso na implantação do Lean.
A análise crítica é que a simples combinação dos
princípios e os capacitadores pode ser receita de êxito na aplicação de grande
variedade de situações e empresas distintas. Entretanto, a realidade das
empresas demonstra que também é necessário desenvolver a mentalidade, os
valores e a disciplina, no qual requer total envolvimento e entendimento por
parte das pessoas em relação às essas ferramentas e princípios.
Sendo assim, podemos concluir que somente quando todas
as ferramentas estiverem integradas umas com as outras, teremos um sistema.
Também quando o sistema for praticado e defendido por todas as pessoas da
organização, teremos uma cultura Lean.